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Texto I
O Ministro do Meio Ambiente lançou um conjunto de medidas para tentar interromper a devastação do Cerrado, que é o segundo bioma da América do Sul, depois da Amazônia, e a savana de maior biodiversidade do mundo. O novo plano prevê um acompanhamento anual das atividades de desmatamento, a exemplo do que é feito na Amazônia. De acordo com o Diretor do Departamento de Conservação da Biodiversidade do Ministério, um dos desafios está relacionado com o longo período de seca, em que a vegetação perde boa parte das folhas. "Isso torna um pouco mais difícil diferenciar o que é seca, o que é devastação."
(Lígia Formenti. O Estado de S. Paulo, Vida&, A17, 11 de
setembro de 2009, com adaptações)
Texto II
Já era hora de se prestar atenção – de verdade – no desmatamento do Cerrado. Os dados de emissão de carbono divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) colocam o bioma de braços dados com a Amazônia na lista de prioridades na agenda climática brasileira.
O Cerrado, valorizado muito mais como uma fronteira agrícola a ser explorada do que como um tesouro biológico a ser preservado, nunca foi prioridade nas políticas públicas de pesquisa e conservação. Consequentemente, faltam dados científicos básicos sobre o bioma, necessários para entender sua biologia, seu clima e seus serviços ambientais – que incluem, entre outras coisas, estocagem e reciclagem de carbono.
Os novos dados do MMA começam a preencher essa lacuna, mostrando que o desmatamento do Cerrado pode ser tão prejudicial para o clima quanto o da Amazônia. Portanto, precisa ser combatido com o mesmo empenho.
Não há dúvida de que as medições do Ministério serão revisadas e refeitas por acadêmicos muitas vezes nos próximos anos. É possível que mudem bastante nesse processo. Calcular as emissões de carbono é ainda mais complicado do que na Amazônia, porque sua cobertura vegetal varia imensamente no tempo e no espaço. E, mesmo na Amazônia, os números são difíceis.
Seja como for, o MMA dá um passo importante ao colocar o Cerrado no mapa das mudanças climáticas. O Ministério da Ciência e Tecnologia também faz suas contas para incluir o bioma no novo inventário das emissões no país, que deverá estar concluído até o final do ano. Agora, quando o Brasil falar de sua contribuição para o aquecimento global, não poderá mais falar só da Amazônia. Terá de falar do Cerrado também.
(Herton Escobar. O Estado de S. Paulo, Vida&, A17, 11 de
setembro de 2009, com adaptações)
Entre ações e acionistas
Nosso velho Machado de Assis não cansa de nos passar lições sobre a atualidade – ele, que morreu há mais de cem anos. Há mesmo quem diga que o velhinho está escrevendo cada vez melhor... Essa força vem, certamente, da atualização, sempre possível e vantajosa, dos escritos machadianos. Melancolicamente, isso também significa que a história da humanidade não avançou tanto, pelo menos não a ponto de desmentir conclusões a que Machado chegou em seu tempo.
Num de seus contos, lembra-nos o escritor que os homens, sobretudo os de negócios, costumam reunir-se em associações empresariais, mas cada um dos acionistas não cuida senão de seus dividendos... A observação é ferina, pelo alcance que lhe podemos dar: é o egoísmo humano, afinal de contas, que está na origem de todas as nossas iniciativas de agrupamento e colaboração. É o motor do interesse pessoal que nos põe em marcha na direção de um objetivo supostamente coletivo.
Haverá muito exagero, talvez, nessa consideração machadiana – mas ela não deixa de ser instigante, obrigandonos a avaliar os reais motivos pelos quais tantas vezes promovemos agrupamentos e colaborações. É como se Machado desconfiasse da pureza ética do nosso suposto desprendimento e preferisse vasculhar em nosso íntimo a razão verdadeira de cada ato.
Com a referência às ações e aos acionistas, o escritor pôs a nu o sentido mesmo do capitalismo, esse sistema econômico ao qual todos aderem para garantir sua parte. A crise que se abateu recentemente sobre os Estados Unidos, com repercussão mundial, provou que, quando todos só querem ganhar, todos podem perder, e o decantado associacionismo acaba revelando seu rosto mais cruel. Talvez seja melhor torcermos para que Machado nem sempre tenha razão.
(Júlio Ribamar de Castilho, inédito)
Os doutores do pessimismo
Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro, que o ser humano é capaz das maiores atrocidades, que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade. Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque em região violenta de uma grande cidade para saber disso. Mas virou moda, entre muitos intelectuais e jornalistas, anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Com certeza há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Nada mais correto do que denunciar o horror. O que me parece estranho é que, mais que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças. O reconhecimento do Mal, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão-se transformando em algo próximo do fascínio. E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na Internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que vive. Então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada: o horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: “nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos”. Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: “que otário”. Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema do que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como nós. “Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?”
O que sei é que algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills e outras para morar em Darfur (*).
(Adaptado de Marcelo Coelho, Folha de S. Paulo, 21/01/2009)
(*) Beverly Hills = rica cidade da Califórnia; Darfur = região pobre e conflituosa do Sudão.
Entre ações e acionistas
Nosso velho Machado de Assis não cansa de nos passar lições sobre a atualidade – ele, que morreu há mais de cem anos. Há mesmo quem diga que o velhinho está escrevendo cada vez melhor... Essa força vem, certamente, da atualização, sempre possível e vantajosa, dos escritos machadianos. Melancolicamente, isso também significa que a história da humanidade não avançou tanto, pelo menos não a ponto de desmentir conclusões a que Machado chegou em seu tempo.
Num de seus contos, lembra-nos o escritor que os homens, sobretudo os de negócios, costumam reunir-se em associações empresariais, mas cada um dos acionistas não cuida senão de seus dividendos... A observação é ferina, pelo alcance que lhe podemos dar: é o egoísmo humano, afinal de contas, que está na origem de todas as nossas iniciativas de agrupamento e colaboração. É o motor do interesse pessoal que nos põe em marcha na direção de um objetivo supostamente coletivo.
Haverá muito exagero, talvez, nessa consideração machadiana – mas ela não deixa de ser instigante, obrigandonos a avaliar os reais motivos pelos quais tantas vezes promovemos agrupamentos e colaborações. É como se Machado desconfiasse da pureza ética do nosso suposto desprendimento e preferisse vasculhar em nosso íntimo a razão verdadeira de cada ato.
Com a referência às ações e aos acionistas, o escritor pôs a nu o sentido mesmo do capitalismo, esse sistema econômico ao qual todos aderem para garantir sua parte. A crise que se abateu recentemente sobre os Estados Unidos, com repercussão mundial, provou que, quando todos só querem ganhar, todos podem perder, e o decantado associacionismo acaba revelando seu rosto mais cruel. Talvez seja melhor torcermos para que Machado nem sempre tenha razão.
(Júlio Ribamar de Castilho, inédito)
Haverá muito exagero, talvez, nessa consideração machadiana - mas ela não deixa de ser instigante (...).
Reescrevendo-se a frase acima, começando-se por Essa consideração machadiana não deixa de ser instigante, a correção e o sentido não serão prejudicados com esta complementação:
Os doutores do pessimismo
Não é preciso ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro, que o ser humano é capaz das maiores atrocidades, que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade. Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque em região violenta de uma grande cidade para saber disso. Mas virou moda, entre muitos intelectuais e jornalistas, anunciar uma espécie de “visão trágica” do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.
Com certeza há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Nada mais correto do que denunciar o horror. O que me parece estranho é que, mais que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças. O reconhecimento do Mal, a percepção de que ninguém é “bonzinho” e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão-se transformando em algo próximo do fascínio. E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.
Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na Internet para ver quem conseguirá ser o mais “durão”, o mais “realista”, o mais desencantado. Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que vive. Então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada: o horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: “nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos”. Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: “que otário”. Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema do que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como nós. “Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?”
O que sei é que algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills e outras para morar em Darfur (*).
(Adaptado de Marcelo Coelho, Folha de S. Paulo, 21/01/2009)
(*) Beverly Hills = rica cidade da Califórnia; Darfur = região pobre e conflituosa do Sudão.
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto: