Leia abaixo a parte inicial de um conto do famoso escritor argentino Julio Cortázar.
Continuidade dos parques
Havia começado a ler o romance uns dias antes. Abandonou-opor negócios urgentes, voltou a abri-lo quando regressava de trem a fazenda; deixava-se interessar lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Essa tarde, depois de escrever uma carta a seu procurador e discutir com o capataz uma questão de parceria, voltou ao livro na tranqüilidade do escritório que dava para o parque de carvalhos. Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma e outra vez o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca o ganhou quase em seguida. Gozava do prazer quase perverso de ir se afastando linha a linha daquilo que o rodeava, e sentira o mesmo tempo que sua cabeça descansava comodamente no veludo do alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que além dos janelões dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra a palavra, absorvido pelasórdida desunião dos heróis, deixando-se levar pelas imagensque se formavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunhado último encontro na cabana do monte.