Chuvas com lembranças
Começam a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gota que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão – vão fazer outra coisa. (Como desejariam pular em poças d’água! – Mas a chuva não vem...)
Nas terras secas, tanta gente a esta hora está procurando, também, no céu um sinal de chuva! E nas terras inundadas, quanta gente estará suspirando por um raio de sol!
Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flores das cercas, que entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios!
Chuvas de viagens: tempestade na Mantiqueira, quando nem os ponteiros do para-brisa dão vencimento à água; quando apenas se vê, na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos.
Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de eternas enchentes: a de 1811, que com o desabamento de uma parte do Morro do Castelo soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico em toda a cidade que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a pedirem a misericórdia divina.
Chuvas modernas, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros; barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente!
Por enquanto, caem apenas algumas gotas aqui e ali, que nem as borboletas percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças d’água onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam, outrora...
“São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem, lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta: Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!”
(Cecília Meireles, Escolha o seu sonho. Adaptado)
De acordo com o texto, as chuvas antigas inspiravam nas pessoas