Atenção: As questões de números 14 a 19 referem-se ao texto seguinte.
"O futebol arte acabou." Esta frase ecoa nos ares brasileiros sempre que perdemos. Para mim, essa frase tem cheiro de blasfêmia, que bem poderia ter se originado dos rincões onde jogar futebol, muito mais que um esforço perdido, é puro desencanto. Nunca emitida por um dos nossos.
Arte para o futebol jamais é adjetivo; é a sua essência. A beleza intrínseca do movimento e da harmonia é meio ideal de cultura para a alegria e a criatividade. E quem, neste mundo, apresenta com tanta clareza tais qualidades? Um povo historicamente esmagado pela colonização (que insiste em se fazer viva), explorado e excluído em sua imensa maioria e que permanece com os queixos elevados e com a esperança intocável, é de se admirar. E só conseguiu atingir essa capacidade de sobrevivência por suas incomparáveis características. Quando qualquer de nós se aproxima de alguma forma de expressão artística é que podemos perceber a sensibilidade que exala de cada poro.
Como podemos explicar que cá por estas bandas surgissem tantas genialidades sem que, em sua maioria, tenham tido quaisquer facilidades para seus ofícios? Em tantas áreas poderíamos desfilar um sem número de figuras excepcionais que se destacaram por suas criações e capacidades. No esporte não é diferente.
Do bando de desnutridos que somos nasceram Ademar Ferreira da Silva e João do Pulo. Mesmo com a falta de piscinas, tivemos Manoel dos Santos, Ricardo Prado, Gustavo Borges e esse excepcional César Cielo. Raquetes, tão raras por aqui, nos deram Maria Ester Bueno, Thomaz Koch e um tal de Guga. Assim, poderíamos ficar horas a desfilar as incoerências da realidade que vivemos. E nada mais real do que o nosso futebol. Nossa plena expressão social e nosso maior agregador cultural foram postos em um lugar bem especial por todos os apreciadores desse esporte, exatamente por nossas especialidades: espontaneidade, dom, criatividade, alegria e habilidade. Isto é que determina o que é arte! E arte de qualidade ímpar. Não é à toa que nossos maiores jogadores desfilam seus dotes, espalhados por todo o planeta.
(Adaptado de: Sócrates. CartaCapital, Pênalti, 6 de abril de 2011, p. 68)