Atenção: As questões de números 16 a 23 referem-se ao texto seguinte.
O humor e o “politicamente correto”
Tem sido marca de nossa época (não se sabe exatamente a partir de quando, nem por que começou) adotar extrema cautela quanto a formas de expressão, ao vocabulário, ao emprego de certos conceitos. Trata-se de evitar que seja ferida a susceptibilidade de quem pertence a determinada etnia, ou professe certa religião, ou se oriente por determinada opção sexual, ou que surja representando toda uma nacionalidade. Tal preocupação traria a vantagem de impedir (ou ao menos tentar impedir) a propagação de qualquer preconceito. Mas, no que diz respeito à criação e à prática do humor, os efeitos dessa cautela podem ser desastrosos.
É que o humor vive, exatamente, do desmesuramento, do excesso, do arbítrio, da caricatura, do estereótipo ... e do preconceito. Este último é o vilão da história: o preconceito é o argumento final para quem cultiva o politicamente correto e abomina quem dê um passo fora desse território bem comportado e muito bem controlado.
Desde sempre o humor serviu como compensação simbólica para as tantas desventuras que afligem o homem. É quando o pobre se ri do rico, o ingênuo do esperto, o fraco do poderoso; ou então, é quando ser pobre, ingênuo ou fraco já é razão para um riso que explora o peso do infortúnio e da desgraça. De fato, o humor não pede a ninguém o direito de agir: sua liberdade é a sua razão de ser, é o sentido final de quem ri – ainda que seja para não chorar.
O advento do “politicamente correto” parte da convicção de que, para sermos todos felizes, temos que ser todos, ao mesmo tempo e inteiramente, justos e honestos uns com os outros, respeitando-nos uns aos outros sem qualquer possibilidade de desvio. Ora, às vezes isso é extremamente chato: ou porque não conseguimos ser justos e honestos o tempo todo, ou porque a falta do riso acaba por nos tornar tão distantes uns em relação ao outros que nos sentimos quase desumanos... Por alguma razão, o riso é parte de nós. Sem ele,
perderemos a criancice, mataremos todos os palhaços do mundo, eliminaremos todas as gargalhadas. Ou, como disse uma vez um humorista, “se o mundo chegar a ser inteiramente sério, que graça terá?”.
(Abelardo Siqueira, inédito)