Desta vez, foram os educadores que protestaram. O "xis" da questão é uma propaganda que estimularia a cola: em uma sala de aula, meninas tentam espiar o exercício dos colegas. Dois garotos recusam e recebem olhares de reprovação; um terceiro, ao contrário, levanta o braço e deixa a colega olhar. Sob os dois primeiros, uma legenda explica que serão engenheiros de empresas concorrentes; o terceiro será um futuro profissional da empresa.
É tão eloqüente em relação a estereótipos e preconceitos que dá preguiça: o jeitinho brasileiro com pitadas de contravenção; meninos tornam-se engenheiros, enquanto meninas conquistam na base do charme; a imagem da situação escolar como ambiente opressivo, e por aí vai.
Educadores reclamaram, a empresa dá uma desculpa ótima: que a situação representada no comercial não seria de prova e sim, de exercício em sala de aula. Como se, se não estivesse na situação formal de prova, a "falta" ficasse atenuada – qualquer professor diria que não faz a menor diferença.
Ainda segundo a empresa, "o objetivo do comercial é mostrar que as outras marcas são tão boas quanto a dela, [...] mas são exclusivistas. Como conclui o filme, a tecnologia está ao alcance de todos." A defesa é capenga demais e não consegue responder a contento a questão: por que é que a publicidade flerta com a deseducação e os preconceitos?
O anúncio é só mais um entre muitos que se utilizam, mais ou menos levianamente, de imagens e situações em que se mostram comportamentos moralmente discutíveis, para dizer o mínimo. De certa forma, como os publicitários costumam se justificar, poderia parecer que não é nada além do que já acontece em termos sociais, ou seja, refletiria uma crise pesada de valores. Esse argumento "realista" talvez colasse, mas só se a gente não lembrasse que propaganda não é, como querem fazer acreditar os publicitários, arte.
Há um grau de intencionalidade (e, portanto, de controle) na elaboração de uma peça publicitária que afasta qualquer possibilidade de representação simplesmente. Ao representar, a publicidade carrega de valores cada detalhe – afinal, o anúncio serve para distinguir um produto entre outros, para convencer que "a" é melhor que "b", que isso deve ser consumido, e aquilo não, e assim por diante.
A publicidade, portanto, não tem o direito de se pretender ingênua. Ela serve para que o consumidor faça escolhas bem diretas, bem específicas e, nesse sentido, quando abandona o simplismo (compre o produto tal) e parte para os chamados conceitos, acaba por se constituir como uma das formas mais veementemente morais que circulam hoje em dia. O que, evidentemente, é um problema e grande.
(Bia Abramo. Folha de S. Paulo, Ilustrada, E7, 26 de junho de 2005, com adaptações)