O modo de ser da personagem Ricardo II, da peça A tragédia do rei Ricardo II, de William Shakespeare, parece elaborado para ilustrar a oscilação entre a pessoa e a sua função política. Em Ricardo a divisão interior é consubstancial, isto é, algo inerente ao seu modo de ser, podendo representar com maior clareza a dicotomia entre o eu e o outro, pressuposta na estrutura do mando. Quando alguém assume papel político, incorpora esse outro, que é quem precisa dos critérios de legitimação do mando. Mandar é tê-lo em si; quando ele se anula o
sujeito fica reduzido à condição comum. Ao mesmo tempo arrogante e humilhado, Ricardo alterna a prepotência com a submissão e passa da confiança cega ao desalento, a ponto de abdicar antes que a abdicação lhe seja imposta. O processo se resolve na cena da abdicação, porque a dualidade da face e do seu reflexo é desfeita pela destruição do espelho. O homem absorveu o rei, como antes o rei absorvera o homem.
(Adaptado de Antonio Candido. “A culpa dos reis: mando e transgressão no Ricardo II”. Ética. São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 98)
Passando-se a frase acima para a voz passiva, a forma verbal resultante será: