O achado
Jamais em minha vida achei na rua ou em qualquer parte do globo um objeto qualquer. Há pessoas que acham carteiras, joias, promissórias, animais de luxo, e sei de um polonês que achou um piano na praia do Leblon. Mas este escriba, nada: nem um botão. Por isso, grande foi a minha emoção ao deparar, no assento do ônibus, com uma bolsa preta de senhora. O destino me prestava esse pequeno favor: completava minha identificação com o resto da humanidade, que tem sempre para contar uma história de objeto achado; e permitia-me ser útil a alguém, devolvendo o que lhe faria falta.
A bolsa pertencia certamente à moça morena que viajara ao meu lado, e de quem eu vira apenas o perfil. Sentara-se, abrira o livro e mergulhara na leitura. Absorta na leitura, ao sair esquecera o objeto, que só me atraiu a atenção quando o ônibus já ia longe.
Mas eu não estava preparado para achar uma bolsa, e comuniquei
a descoberta ao passageiro mais próximo:
– A moça esqueceu isto.
Ele, sem dúvida mais experimentado, respondeu simplesmente:
– Abra.
Hesitei: constrangia-me abrir a bolsa de uma desconhecida ausente; nada haveria nela que me dissesse respeito.
– Não é melhor que eu entregue ao motorista?
– Complica. A dona vai ter dificuldade em identificar o ônibus. Abrindo, o senhor encontra um endereço, pronto.
Era razoável, e diante da testemunha abri a bolsa, não sem experimentar a sensação de violar uma intimidade. Procurei a esmo entre as coisinhas, não achei elemento esclarecedor. Era isso mesmo: o destino me dava as coisas pela metade. Fechei-a depressa.
– Leve para casa – ponderou meu conselheiro, como quem diz: – É sua. Mas acrescentou: – procure direito e o endereço aparece.
Como ele também descesse logo depois, vi-me sozinho com a bolsa na mão.
(Carlos Drummond de Andrade, “A bolsa e a vida”. In: Joaquim Ferreira
dos Santos (org.) As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. Adaptado)
rua ou em qualquer parte do globo um objeto qualquer. –, o termo em destaque introduz ideia de