Pobres palavras
Lendo um romance, tropecei na palavra inexorável. É uma das que mantenho desconhecidas, desde rapazola, quando peguei gosto de ler. Desconhecida porque, mesmo já tendo lido inexorável muitas vezes, nunca quis saber o sentido. Parece uma palavra em desuso, dessas que ficam lá nos velhos armazéns da língua, coberta de poeira, até que alguém pega e coloca numa frase como uma roupa no varal. O leitor é quem recolhe essas roupas, uma por uma, menos as que, como inexorável, a gente não sabe o que é, deixa lá, para que volte sozinha ao armazém e fique lá mofando até que...
Bem, desta vez fiquei com pena da pobre inexorável e fui ao dicionário. E inexorável é implacável. Eu já desconfiava disso, tantas vezes li que o destino é inexorável, e fiquei feliz porque o significado justifica a pompa da palavra. Porque a primeira vez que fui ao dicionário desvendar uma palavra, foi uma inenarrável (olha outra pomposa aí) decepção.
Era a palavra inconsútil. Em prosa e poesia, volta e meia lá vinha a inconsútil. Um dia, já na casa dos quarenta, a barba começando a grisalhar, não aguentei mais as décadas de ignorância e fui ao dicionário. E inconsútil é apenas “sem costura”. Tantos mantos inconsúteis e eu não conseguia ver algo em comum entre eles para achar o sentido da palavra, e eram apenas mantos sem costura. Fiquei acabrunhado (esta nem pomposa, é atrapalhada mesmo).
(PELLEGRINI, Domingos. Lições de gramática para quem
gosta de literatura. São Paulo: Panda Books, 2007, p. 40-41)