Atenção: Para responder às questões de números 13 a 18, considere o texto abaixo.
Cora Coralina, de Goiás
Este nome não inventei, existe mesmo, é de uma mulher que vive em Goiás: Cora Coralina.
Cora Coralina, tão gostoso pronunciar este nome, que começa aberto em rosa e depois desliza pelas entranhas do mar, surdinando música de sereias antigas e de Dona Janaína moderna.
Na estrada que é Cora Coralina passam o Brasil velho e o atual, passam as crianças e os miseráveis de hoje. O verso é simples, mas abrange a realidade vária. Escutemos: “Vive dentro de mim / uma cabocla velha / de mau olhado, / acocorada ao pé do borralho, / olhando pra o fogo.” “Vive dentro de mim / a lavadeira do rio Vermelho. / Seu cheiro gostoso d'água e sabão.” “Vive dentro de mim / a mulher cozinheira. / Pimenta e cebola. / Quitute bem feito.” “Vive dentro de mim / a mulher proletária. / Bem linguaruda, / desabusada, sem preconceitos.” “Vive dentro de mim / a mulher da vida. / Minha irmãzinha... / tão desprezada, / tão murmurada...”
Todas as vidas. E Cora Coralina as celebra com o mesmo sentimento de quem abençoa a vida. Ela se coloca junto aos humildes, defende-os com espontânea opção, exalta-os, venera-os. Sua consciência humanitária não é menor do que a sua consciência da natureza.
Assim é Cora Coralina − um ser geral, “coração inumerável”, oferecido a estes seres que são outros tantos motivos de sua poesia: o menor abandonado, o pequeno delinquente, o presidiário, a mulher-da-vida. Voltando-se para o cenário goiano, tem poemas sobre a enxada, o pouso das boiadas, o trem de gado, os becos e sobrados, o prato azul-pombinho, último restante de majestoso aparelho de 92 peças, orgulho extinto da família.
Cora Coralina, um admirável brasileiro. Ela mesma se define: “Mulher sertaneja, livre, turbulenta, cultivadamente rude. Inserida na gleba. Mulher terra. Nos meus reservatórios secretos um vago sentido de analfabetismo.” Opõe à morte “aleluias festivas e os sinos alegres da Ressurreição. Doceira fui e gosto de ter sido. Mulher operária”.
Cora Coralina: gosto muito deste nome, que me invoca, me bouleversa, me hipnotiza, como no verso de Bandeira.
(Adaptado de: Carlos Drummond de Andrade. Publicado originalmente
no Jornal do Brasil. Cad. B, 27.12.80. Cora Coralina. Vintém
de cobre: meias confissões de Aninha. 8. ed. S.Paulo:
Global, 2001. p. 8-11)