Pobres bancos
Vladimir Safatle
1.° Quando o governo resolveu, enfim, denunciar a “lógica perversa” que guia o sistema financeiro brasileiro, era de esperar que os consultores e economistas regiamente recompensados pelos bancos aparecessem para contemporizar. Como em uma peça de teatro na qual as máscaras acabam por cair, foi isto o que ocorreu.
2.° Há algo de cômico em ver adeptos do livre mercado e da concorrência procurando argumentos para defender uma banca de oligopólio especializada em espoliar os brasileiros com “spreads” capazes de deixar qualquer banco mundial corado de vergonha.
3.° Se os bancos brasileiros estão entre os que mais lucram no Universo, é porque nunca precisaram, de fato, viver em um sistema no qual o poder estatal impediria a extorsão institucionalizada à qual ainda estamos submetidos.
4.° No mundo inteiro, o sistema bancário faz jus à frase do dramaturgo Bertolt Brecht: “O que é roubar um banco se você imaginar o que significa fundar um banco?”
5.° Nos últimos anos, vimos associações bancárias com comportamentos dignos da máfia, pois são especializadas em maquiar dados e balanços, criar fraudes, ajudar a evasão fiscal, operar em alto risco e passar a conta para a frente, além de corromper entes públicos.
6.° Mas a maior astúcia do vício é travestir-se de virtude. Assim, o sistema financeiro criou a palavra “austeridade” a fim de designar o processo de assalto dos recursos públicos para pagamento de rombos bancários e “stock-options” de executivos criminosos, com a consequente descapitalização dos países mais frágeis.
7.° Se não tivemos algo da mesma intensidade no Brasil, vemos agora um processo semelhante do ponto de vista retórico. Assim, os “spreads” bancários seriam o resultado indigesto do risco alto de inadimplência, já que a população brasileira teria o hábito pouco salutar de não pagar suas dívidas e se deixar endividar além da conta.
8.° Neste sentido, os lucros bancários seriam (vejam só vocês) o remédio amargo, porém necessário, até que a população brasileira aprenda a viver com o que tem e assuma gastos de maneira responsável. O mais impressionante é encontrar pessoas que se acham capazes de nos fazer acreditar nessa piada de mau gosto.
9.° A verdade é que quanto menos poder e margem de manobra o sistema financeiro tiver, melhor é a sociedade. Há sempre aqueles “consultores” que dirão: “É fácil falar mal dos bancos”, apresentando o espantalho do populismo. A estas pessoas devemos dizer: “Sim, é fácil. Ainda mais quando não se está na folha de pagamento de um”. Já sobre o “risco” do populismo, pobres são aqueles para os quais a defesa dos interesses econômicos da população sempre é sinal de irracionalidade.
Folha de S.Paulo, 08 de maio de 2012.