Brasileiros e latino-americanos fazemos constantemente a experiência do caráter postiço da vida cultural que levamos. Essa experiência tem sido um dado formador de nossa reflexão crítica desde os tempos da Independência. Ela pode ser e foi interpretada de muitas maneiras, o que faz supor que corresponda a um problema durável e de fundo.
O Papai Noel enfrentando a canícula em roupa de esquimó é um exemplo de inadequação. Da ótica de um tradicionalista, a guitarra elétrica no país do samba é outro. São exemplos muito diferentes, mas que comportam o sentimento da contradição entre a realidade nacional e o prestígio ideológico dos países que nos servem de modelo.
Tem sido observado que, a cada geração, a vida intelectual no Brasil parece recomeçar do zero. O apetite pela produção recente dos países avançados muitas vezes tem como avesso o desinteresse pelo trabalho da geração anterior e, por conseguinte, a descontinuidade da reflexão. Nos vinte anos em que tenho dado aula de literatura, por exemplo, assisti ao trânsito da crítica por uma lista impressionante de correntes. Mas é fácil observar que só raramente a passagem de uma escola a outra corresponde ao esgotamento de um projeto; no geral, ela se deve ao prestígio americano ou europeu da doutrina seguinte. Conforme notava Machado de Assis em 1879, “o influxo externo é que determina a direção do movimento”.
Não é preciso ser adepto da tradição para reconhecer os inconvenientes desta praxe, a que falta a convicção das teorias, logo trocadas. Percepções e teses notáveis a respeito da cultura do país são decapitadas periodicamente, e problemas a muito custo identificados ficam sem o desdobramento que lhes poderia corresponder. O que fica de nosso desfile de concepções e métodos é pouco, já que o ritmo da mudança não dá tempo à produção amadurecida.
O inconveniente faz parte do sentimento de inadequação que foi nosso ponto de partida. Nada mais razoável, portanto, para alguém consciente do prejuízo, que passar ao polo oposto e imaginar que baste não reproduzir a tendência metropolitana para alcançar uma vida intelectual mais substantiva. A conclusão tem apoio intuitivo forte, mas é ilusória. Não basta renunciar ao empréstimo para pensar e viver de modo mais autêntico. A ideia de cópia discutida aqui opõe o nacional ao estrangeiro e o original ao imitado, oposições que são irreais e não permitem ver a parte do estrangeiro no próprio, a parte do imitado no original e também a parte original no imitado.
(Adaptado de: SCHWARZ, Roberto. Que horas são? São Paulo, Cia. Das Letras, 1987, p.29-48)
Substituindo-se o segmento sublinhado pelo que se encontra entre parênteses, o verbo que deve ser flexionado no plural está em: