Texto I
Como era gostoso o meu burguês
O Manifesto Antropófago foi publicado em 1º de maio de 1928, no Diário de São Paulo. De todas as iniciativas renovadoras propostas por Oswald de Andrade, talvez tenha sido essa a mais visionária. Em sua obra Vanguardas Latino-americanas, Jorge Schwartz assim analisa a antropofagia oswaldiana:
“O dilema nacional/cosmopolita é resolvido pelo contato com as revolucionárias técnicas da vanguarda europeia, e pela percepção da necessidade de reafirmar os valores nacionais numa linguagem moderna. Assim, Oswald transforma o bom selvagem rousseuauniano num mau selvagem, devorador do europeu, capaz de assimilar o outro para inverter a tradicional relação colonizador/colonizado”. Tudo, evidentemente, no plano cultural.
Schwartz cita ainda o artigo “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira”, escrito por Haroldo de Campos, em que este afirma:
“(...) é o pensamento da devoração crítica do legado universal, elaborado não a partir da perspectiva submissa e reconciliada do ‘bom selvagem’ (...) mas segundo o ponto de vista desabusado do ‘mau selvagem’, devorador de brancos, antropófago. Ela não envolve uma submissão (uma catequese), mas uma transculturação: melhor ainda, uma ‘transvaloração’: uma visão crítica da história como função negativa (...) capaz tanto de apropriação como de expropriação, desierarquização, desconstrução. Todo passado que nos é ‘outro’ merece ser negado. Vale dizer: merece ser comido, devorado. Com esta especificação elucidativa: o canibal era um ‘polemista’ (do grego, pólemos: luta, combate), mas também um ‘antologista’: só devorava os inimigos que considerava bravos, para deles tirar proteína e tutano para o robustecimento e a renovação de suas próprias forças naturais (...)”.
(Oliveira, Clenir Bellezi de. Discutindo Literatura. São Paulo, ed.16, ano 3, nº 16, p.35)