Transparência e gentileza
Ana Maria Machado
Viver numa democracia pressupõe respeitar as urnas, os limites institucionais, o jogo de pesos e contrapesos entre os poderes. A alternância no governo, que agora teremos, configura uma troca de papéis e exige uma oposição que fiscalize e proponha alternativas mas que saiba conviver com o desejo expresso da maioria. Hora de deixar para trás o “nós contra eles”. Mesmo se, como disse Ciro Gomes em relação ao PT, agora “eu sou o eles”. Ou, como se brincou por aí, tanto pediram #elenão que acabaram ganhando um Helenão. Ficaram cicatrizes. Por isso, o diálogo requer delicadeza.
Esse quadro acentua a importância de se expressar, opinar, perguntar, ouvir, analisar, corrigir, sugerir. Tentar entender. Abandonar melindres e a retórica de que a democracia corre risco se houver discordância. Admitir fatos. Reconhecer que a corrupção não foi invenção de juízes antipetistas. Que a nova matriz econômica de Dilma foi um desastre na ponta do lápis, não na má vontade da mídia. Que a ONU nunca recomendou o registro da candidatura de Lula e que nosso Judiciário não desrespeitou essa pretensa determinação — foi só a opinião avulsa de dois peritos de um comitê.
Hora de baixar a fervura. Ir além das redes sociais. Nisso, a relação do governo com a mídia é fundamental. Convém ser transparente. Não se pode barrar jornalistas em coletiva, nem usar verba de publicidade para chantagem. Para evitar curtocircuito em prejuízo do país, seria bom que o futuro governo seguisse o exemplo recente de Sergio Moro. Se todo mundo quer saber (e tem esse direito), o melhor é organizar uma entrevista coletiva, em vez de chutar a primeira frase que vem à cabeça de alguém acossado por microfones e celulares, entre jornalistas se acotovelando. Que se destine um espaço para esse encontro. Que cada um pergunte livremente e espere sua vez. Que o entrevistado responda com civilidade, desenvolva seu raciocínio, pese suas palavras.
Pode não alimentar a fogueira, mas é mais útil a todos. Precisamos disso.
O Globo,26/11/2018
Texto disponível em: http://www.academia.org.br/artigos/ transparencia-e-gentileza. Acesso em: 4 de dez. de 2018.
No trecho “o melhor é organizar uma entrevista coletiva, em vez de chutar a primeira frase que vem à cabeça de alguém acossado por microfones e celulares”, o melhor significado, no contexto, para acossado é: