Acendendo o sinal amarelo
Na versão gratuita, o aplicativo Replika AI oferece um amigo ou amiga, alguém com quem conversar. Mas quem paga pode fazer mais. Pode, por exemplo, transformar a relação em romance. Chegamos ao ponto da inteligência artificial (IA) em que ficção científica se tornou realidade.
Quem usa o app a sério põe a IA no centro de suas vidas. As conversas são por chat ou por voz. A pessoa pode escolher se está em busca de amizade, mentoria ou amor. A mágica não acontece de imediato, mas a cada conversa, selfie, foto e confidência enviada ao app. E assim, aos poucos, a pessoa artificial que está dentro do celular vai ganhando vida. Ou a ilusão de vida.
A rigor, IAs não são sequer inteligências. São modelos probabilísticos. Não sabem o que estão dizendo. O que conhecem é o que têm em suas memórias: uma quantidade abissal de textos escritos por inúmeras pessoas ao longo dos séculos. O que fazem é calcular que palavras provavelmente apareceriam num dado contexto.
Um jovem programador relatou ao San Francisco Chronicle que havia perdido a namorada e, machucado de um jeito que só quem conheceu a morte sabe, alimentou um desses modelos de linguagem com todos os zaps, emails e cartas que tinha da moça. Quando percebeu, estava conversando todos os dias com a memória de quem amou. Era como se ela ainda estivesse lá.
A tecnologia existe e será usada. Pessoas solitárias encontrarão cada vez mais, em IAs deste tipo, companhia. Mas há um risco. A vida acontece na relação com gente de verdade. É quando nossas neuroses são expostas, quando nos surpreendemos ou nos magoamos. Lidamos melhor conosco a partir do contato com os outros. É como aprendemos limites e nos civilizamos.
É preciso muita cautela nesse processo. A ilusão da IA periga criar uma legião de imaturos incapazes de lidar com suas neuroses.
(Pedro Doria. https://www.estadao.com.br/.17.02.2023. Adaptado)