Você sabe que os anos estão passando quando não identifica mais quem são as pessoas que a maioria da população admira. Há um sem-número de ídolos populares que, se entrassem num elevador comigo, eu não faria ideia de quem seriam, enquanto, para seus fãs, compartilhar com eles os poucos segundos entre o térreo e o décimo andar ressignificaria a vida. Muitos artistas estão neste exato instante quebrando recordes, fazendo lives acompanhadas por milhões de seguidores, e, ao ouvir seus nomes pela primeira vez, eu talvez os confundisse com algum ex-colega de faculdade.
Parece absurdo que alguém nunca tenha escutado a respeito da cantora Anitta, por exemplo, mas, há pouco tempo, um advogado me perguntou quem era. Fiquei chocada. Questiono-me se é possível jamais ter ouvido falar de Anitta. Foi aí que me dei conta de que eu estava caindo na armadilha comum de achar que, se alguém ignora a existência de uma celebridade, não passa de um esnobe.
Antigamente, as capas de revista consagravam carreiras. A televisão era o eletrodoméstico mais importante da casa. Todo mundo conhecia o rei do iê iê iê, o galã da novela, a miss de cetro e coroa. Eram intocáveis, distantes, quase sobrenaturais — pois raros.
Hoje você grava um vídeo caseiro, posta na internet, cai nas graças de uns, viraliza e dentro de um ano pode estar morando numa mansão, e quem vai dizer que o valor passou ao largo? Quase sempre o êxito vem do talento artístico, mas pode vir também do faro para tendências, para criar conteúdo motivacional, para fazer dinheiro nas redes.
Nós, os sobreviventes da era analógica, não conseguimos acompanhar tanta novidade circulando pelo palco digital. Eu já me perdoei por não conseguir estar informada sobre tudo e sobre todos, mesmo trabalhando num veículo de comunicação. De que planeta eu vim?
De outro século e deste aqui, vim lá de trás e de hoje cedo, administro como posso o meu passado e este presente intenso, me espanto com a oferta atordoante de eventos e existências, tantas que nem todas são por mim assimiladas. Não é esnobismo, não; é esse tempo agora, voraz.
(Martha Medeiros. Tanto tudo. https://oglobo.globo.com,
14.11.2021. Adaptado