As comunicações e o colapso da ética
O que leva um jovem profissional a considerar “normal” que uma empresa de comunicação se alie a um governo ou aos interesses de um poderoso grupo de anunciantes e que seu jornalismo deliberadamente omita, distorça e manipule informações? Por que as constatações de que “todos fazem do mesmo jeito”, “se não fizer assim não sobrevive”, “esse é o jogo jogado” etc. se tornam suficientes para que profissionais se ajustem inteiramente ao “sistema”? Essas, obviamente, não são questões novas e, certamente, não se restringem ao campo profissional das Comunicações – uma forte razão, aliás, pela qual não podem ser ignoradas.
Em seu livro Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética, Bernardo Kucinski chama a atenção para o fato de que jovens jornalistas rejeitam a possibilidade de uma ética porque “o desemprego estrutural fez da competição com o próprio companheiro uma necessidade de sobrevivência, e nesse ambiente as éticas socialmente constituídas cederam espaço a uma ética de cada indivíduo. Cada um tem o dever de pensar antes de tudo em si mesmo, em seu projeto de vida. Uma ética em que o dever é definido como negação do social, como celebração da individuação ética".
As ponderações de Kucinski nos ajudam a compreender o que está acontecendo com os jovens profissionais em disputa no mercado, e vão muito além do próprio campo das Comunicações. Falam dos valores e das práticas que dominam o nosso tempo de pensamento único e capitalismo globalizado. Que diferença entre essas práticas e a recomendação do velho jornalista norte-americano Joseph Pulitzer, que no tão remoto ano de 1904 alertava: “É a ideia de trabalhar para a comunidade, não para o comércio ou para si próprio que deve nortear as preocupações de todo jornalista”.
Atravessamos no Brasil um período de profundas transformações que implicará importantes mudanças estruturais regulatórias da natureza e das atividades do sistema de comunicações. Dessas transformações vai surgir um novo perfil (já em construção, aliás) de profissionais e uma nova correlação de forças entre os envolvidos no setor. Cuidemos todos para que não se consagre de vez o prestígio cínico de um vazio ético.
(Adaptado de Venício A. de Lima, Observatório da imprensa)