Se nunca foi fácil traçar a linha divisória entre arte erudita e arte popular, agora é mais difícil levar a cabo essa tarefa ociosa. Indiferente à palha seca da controvérsia, a arte segue o seu caminho. A vertente é uma só e é nela que se dá o encontro das águas. Pouco importam as fontes de onde procedem. Purificadoras e purificadas, seu caráter lustral as universaliza. Caetano Veloso, por exemplo. Quem ousaria classificá-lo?
Em princípio, a arte deveria permanecer ao relento. Maldito, o poeta não era aceito. Na escala de valores, popular, mais que um adjetivo, era um estigma. Daí o escândalo do sarau de d. Nair de Tefé. Primeira-dama, ela própria artista, afrontou a conspícua Velha República.
Em pleno palácio do Catete, ouviu-se por sua iniciativa o "Corta-jaca", de Chiquinha Gonzaga. Delirante sucesso na rua, a música era aplaudida em cena aberta e assobiada em botequins. Viajou a Portugal e lá arrebatou a plateia. Mas no Catete só podia ser insânia.
A maturidade de Caetano Veloso coincide com o amadurecimento cultural que lhe proporciona o reconhecimento nacional. Caducas as classificações, sua arte aniquila toda e qualquer discriminação. Exaltada aqui dentro, repercute lá fora. A música lhe dá dimensão internacional. O que ele é, porém, é universal. A poesia de fato nunca esteve divorciada da expressão popular. Manuel Bandeira tirava o chapéu, respeitoso, para Sinhô, Pixinguinha, Noel.
Dos poetas, foi dos mais musicais, Manuel. E musicado. Arranhava o seu violão. Saiu extasiado da casa em que ouviu João Gilberto e sua recente batida bossa-novista. Fui testemunha ocular e auditiva. Tudo isso vem a propósito da fusão que Caetano Veloso hoje encarna. Metabolizada, a grande arte canta nesse legítimo poeta do Brasil.
(Adaptado de Otto Lara Resende. "Poeta do encontro". Bom dia
para nascer. São Paulo, Cia. das Letras, 2011, p. 281-282)
O segmento cujo sentido está corretamente expresso em outras palavras é: