O meu e o outro lugar
Há lugares da nossa casa em que nos sentimos melhor ou pior que em outros: na ponta da mesa, junto a uma janela, no canto da sala ou perto da porta atua algum especial elemento de atração que nos faz sentir ali, e só exatamente ali, perfeitamente “em casa”. Não faltarão razões para isso, que a psicanálise, a sociologia ou talvez a astrologia possam explicar; mas quero aqui me ocupar com a projeção contrária dessa sensação. Sentir-se no exílio é, genericamente, estar fora do seu lugar. O exilado é, em princípio, um ser punido, condenado a distanciar-se de seu espaço próprio, ou desejado.
Li outro dia umas linhas muito sábias a respeito da relação que mantemos com o que julgamos o nosso lugar. São as palavras de um monge do século XII, da Saxônia, chamado Hugo de Saint Victor:
“O homem que acha doce seu torrão natal ainda é um
iniciante fraco; aquele para quem todo solo é sua terra
natal já é forte; mas perfeito é aquele para quem o
mundo inteiro é uma terra estrangeira. A alma frágil fixou
seu amor em um ponto do mundo; o homem forte
estendeu seu amor para todos os lugares; o homem
perfeito extinguiu sua dependência em relação aos
lugares.”
O monge considera aqui a superioridade de quem não tem um lugar que lhe seja próprio. Ou seja: ele fala de alguém que, humildemente, não julga que seja seu qualquer lugar do mundo; todos os lugares lhe impõem o respeito do desconhecido. Tratando-se de um monge, é possível suspeitar que o único espaço que ele julga de fato pertencer a alguém é o espaço interior da pessoa, o lugar onde o espírito se encontra com Deus, o centro da alma e da individualidade. Não deixa de ser instigante acreditar que somos todos estrangeiros neste mundo, e o único lugar que nos é próprio é o que podemos carregar dentro de nós. A meditação mais profunda se constituiria, assim, como o nosso território pessoal.
(Sabino Junqueira, inédito)
O verbo entre parênteses deverá flexionar-se de modo a concordar com o termo sublinhado na frase: