Qualidades da boa linguagem na redação forense
A boa linguagem é um dever pessoal do operador do Direito que se mantém preocupado em expressar as ideias com precisão, sem sacrificar o estilo solene que deve nortear a linguagem forense.
É claro que, para levar a cabo tal mister, não se pode utilizar a fala pedante, com dizeres mirabolantes, na qual sobeja a terminologia enrolativa, que vem de encontro à precisão necessária à assimilação do argumento aduzido. A linguagem hermética e "centrípeta" só agrada ao remetente, não ao destinatário. Com efeito, o preciosismo é vício de linguagem marcado pela afetação. Deve-se evitar sacrificar a ideia, fugindo do natural, a fim de causar "impressão", sem lograr transmitir o pensamento com clareza. [...]
Ademais, é comum encontrar operadores do Direito que opinam sobre regência de verbos, concordância de nomes, uso de crase e ortografia, sem que se deem ao trabalho de se dedicar à intrincada tarefa de assimilar as bases da gramática do idioma doméstico. Encaixam-se, portanto, no perfil de ousados corretores que, no afã de corrigirem, extravasam, na verdade, um descaso com o idioma, ao contrário do que pensam exteriorizar: domínio do português. Não é por acaso que, segundo os árabes, "nascemos com dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e ...uma boca". É para ter mais cuidado no falar...
Com notável propriedade, Theotonio Negrão ("Revista de Processo", 49/83, p.5) assevera que "o operador do direito que não consegue ter linguagem correta não consegue expressar adequadamente seu pensamento”. Em entrevista ao Jornal do Advogado (OAB), em 8 de junho de 2001, Miguel Reale, ao ser inquirido sobre quais eram os pré-requisitos para o exercício da carreira do advogado, respondeu: "Em primeiro lugar, saber dizer o direito. Nos concursos feitos para a Magistratura, para o Ministério Público e assim por diante, a maior parte das reprovações são devidas à forma como se escreve. Há uma falha absoluta na capacidade de expressão. Então, o primeiro conselho que dou é aprender a Língua Portuguesa. Em segundo lugar, pensar o Direito como uma ciência que envolve a responsabilidade do advogado por aquilo que diz e defende. Em terceiro lugar, vem o preparo adequado, o conhecimento técnico da matéria”.
Como se nota, o desconhecimento do vernáculo torna o advogado um frágil defensor de interesses alheios, não sendo capaz de convencer sobre o que arrazoa, nem postular adequadamente o que intenciona. Pode até mesmo se ver privado de prosseguir na lide, caso elabore uma petição inicial ininteligível ou em dissonância com as normas cultas da língua portuguesa, uma vez que o Código de Processo Civil, no artigo 156, obriga o uso do vernáculo em todos os atos e termos do processo.
Assim, aquele que peticiona deve utilizar uma linguagem castiça, procurando construir um texto balizado em parâmetros que sustentem a boa linguagem. A comunicação humana precisa ser eficiente, devendo o usuário da linguagem estar atento para as virtudes de estilo ou qualidades do léxico de rigor. [...]
Na oração "Assim, requer o Autor à Vossa Excelência...", há vício gramatical quanto à crase, uma vez que se deve grafar "Assim, requer o Autor a Vossa Excelência...", sem o sinal grave indicador da contração, uma vez que não há crase antes de pronome de tratamento.
Nesse diapasão, observe a frase: "Arquive-se os autos". O equívoco é palmar, na medida em que o sujeito da oração é "autos", devendo o verbo concordar com o sujeito. Portanto, procedendo à correção: "Arquivem-se os autos". [...]
A concisão é qualidade inerente à objetividade e justeza de sentido no redigir. Como se sabe, falar muito, com prolixidade, é fácil; o difícil e invulgar é falar tudo, com concisão. A sobriedade no expor, traduzindo o sentido retilíneo do pensamento, sem digressões desnecessárias e manifestações supérfluas, representa o ideal na exposição do pensar. Não há como tolerar arrazoados e petições gigantes e repetitivas, vindo de encontro aos interesses perquiridos pelo próprio subscritor do petitório, embora, às vezes, não perceba o resultado. [...]
Nas peças forenses, é comum encontrarmos expressões supérfluas, cuja simples supressão importaria em aperfeiçoamento da frase. Observe o exemplo abaixo:
"O acusado foi citado por edital, por não ter sido encontrado pessoalmente".
Procedendo ao devido enxugamento frasal, ter-se-ia:
"O acusado foi citado por edital, por não ter sido encontrado".
Na mesma esteira, deve-se evitar o uso excessivo de advérbios de modo. Evite, portanto, "precariamente", "tocantemente", "tangentemente", "editaliciamente". Observe os exemplos:
"Eles foram editaliciamente citados" (Corrigindo: Eles foram citados por edital.); ou "Tangentemente a esse caso, ..."
(Corrigindo: No que tange a esse caso...).
Posto isso, faz-se mister a preservação da boa linguagem, evitando-se distanciar dos postulados acima expendidos, a fim de que possa o causídico alcançar o que se busca: o êxito na arte do convencimento.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Qualidades da boa linguagem na redação
forense. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/>. Acesso: 8
maio 2012. [Adaptado].