NÃO DESPERTEMOS O LEITOR
Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.
Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas: “A vida é um fardo” – isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bia não faz mal a ninguém, como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete como há vinte séculos já se queixavam Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, deviam ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço. O lugar-comum é base da sociedade, a sua filosofia, a sua política, segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.
Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!”.
O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não queira dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um império que desaba ou uma barata esmagada.
(QUINTANA, Mário. Caderno H. Porto Alegre: Globo, 1973, p. 19.)
De acordo com o texto, do ponto de vista do leitor dorminhoco, há sempre uma forma contrária para despertá-lo. Essa dicotomia se apresenta, respectivamente em: