Texto IV
Ética na Justiça - atuação judicial da advocacia pública e privada
(texto adaptado)
Nesta breve exposição, vou abordar a Ética sob a perspectiva da advocacia pública social, da advocacia que defende os direitos sociais indisponíveis, que defende os direitos humanos na sua expressão maior e os interesses individuais, quando, em virtude da indisponibilidade, merecem especial tratamento do ordenamento jurídico. Serão feitas, também, rápidas pinceladas, an passant, sobre Ética e Moral.
No âmbito do Ministério Público Federal, como Corregedor-Geral, acabo de apresentar ao Conselho Superior uma proposta de Código de Ética, para nortear a conduta dos membros do Parquet Federal. Por essa razão, vou me ater __________ questão da necessidade da existência de um Código de Ética, como conjunto de princípios deontológicos que orientam o exercício de uma profissão.
Antes, porém, é necessário abordar a Ética sob uma ótica mais ampla, do ser humano e na sua vida em sociedade. Sob esse prisma, Ética é tudo. É postura e ação. É a coragem de ser verdadeiro, no dizer de Viktor Salis (autor do livro "Ócio Criador, Trabalho e Saúde", Ed. Claridade). É o que sobra, interiormente, depois da ruína de todas as regras legais. É a conduta do homem, na forma com que se conduz em um campo de batalha, à procura de si mesmo ou dos despojos da guerra. "É o que fica, quando se esquece tudo o que se aprendeu. Ética dirige-se __________ vontade, ao âmago do ser humano, à consciência. Mais do que ciência, Ética é sabedoria", na feliz lição do Prof. Vitorino Félix Sanson, no artigo "Ética estóica", publicado no livro Ética e Trabalho .
Em outras palavras, Ética é a motivação inconsciente e atávica do homem pela procura da felicidade, garimpando-a nos prazeres ou nas estrelas. Gabriel Chalita, Doutor em Direito e em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no seu livro "Os dez mandamentos da Ética", ao falar sobre a Ética de Aristóteles, em "Ética a Nicômaco", menciona que:
"A ética é o grande caminho para o encontro com a felicidade. E ninguém é feliz se não faz feliz o outro" (fl. 30)
Os mandamentos de Gabriel Chalita, a partir da visão aristotélica, são, em síntese: (1) fazer o bem; (2) agir com moderação; (3) saber escolher; (4) praticar as virtudes; (5) viver a justiça; (6) valer-se da razão; (7) valerse do coração; (8) ser amigo; (9) cultivar o amor e (10) ser feliz.
Com isso, vê-se que Ética é tudo. É você sozinho, com sua capacidade de se sentir pleno, a partir do sentimento de conforto íntimo, em virtude da harmonia entre suas ações e pensamentos; é também a sua ação e coragem de fazer uma revisão racional e crítica sobre a validez de determinadas condutas humanas e de regras estabelecidas, além de ter a capacidade de criticá-las e contribuir para alterá-las.
Feita essa "pequena viagem" em temas tão fundamentais ao homem, passo a analisar mais diretamente a questão da Ética na Justiça, sob a perspectiva da atuação judicial da advocacia pública e privada.
Nessa ótica, pode-se definir Ética como série de princípios morais pelos quais o indivíduo deve guiar sua conduta no ofício ou profissão que exerce (Enciclopédia Brasileira Mérito, Ed. Mérito). Para algumas categorias e profissões, principalmente para aquelas formadas por agentes políticos (que detém parte do poder do Estado), que são os juízes, advogados públicos, Ministério Público e mesmo os advogados (que prestam funções essenciais à Justiça), poder-se-ia pensar que todas as regras de conduta já existem a partir da Constituição, da educação obrigatória e dos conceitos religiosos, sendo dispensável um Código de Ética.
Entretanto, na prática, um Código de Ética é fundamental para qualquer profissão, porque ele "objetiva evitar racionalizações acerca de comportamentos duvidosos, que afetam o discernimento da pessoa, justificando condutas ou atos humanos desleais, amorais ou desonestos".
Vários ditados populares e atitudes são exemplos desses atos duvidosos que afetam o discernimento de uma pessoa: (1) é o jeitinho brasileiro; (2) a lei de Gerson; (3) as mentiras "inocentes"; (4) a utilização de carros oficiais para fins particulares; (5) o ato de jogar papéis nas ruas; (6) "tomar emprestado material da repartição"; (7) exagerar nas despesas em prestação de contas; (8) vender férias (abono pecuniário) e não comparecer ao serviço; (9) fazer mais processos antes de vender as férias e não comparecer ao trabalho, ao argumento de que "trabalhou muito além do normal antes"; (10) vender férias quando não há distribuição de processos; (11) tirar licença-médica para justificar uma deliberada ausência do serviço; (12) "dar carteirada"; (13) usar o cargo para obter favores em outras repartições; (14) furar filas; (15) fingir que trabalha e deixar tudo para os assessores; (16) deixar-se levar pela imprensa, em detrimento das provas reais existentes nos autos; (17) não receber pessoas ou partes em seu Gabinete; (18) deixar pessoas esperando sem justificativa e, (19) no âmbito específico do Ministério Público, privilegiar somente a independência funcional em detrimento da unidade, por motivos particulares (os procuradores que ainda podem advogar).
É bem verdade que a adoção de um Código de Ética, por si só, não imuniza nenhuma instituição ou organização contra os riscos de deslizes, escorregões ou faltas graves. Todavia, "sempre reduz a incidência de casos de má-fé e reafirma o compromisso de agir corretamente. Sobretudo, comprova a disposição de revogar a crônica impunidade assegurada há tantas décadas pela omissão dos chefes e pelo corporativismo dos jornalistas" (Jornalista Augusto Nunes, na apresentação do Manual de Zero Hora, então diretor do
jornal).
Sobre o tema, vale __________ pena citar novamente as palavras de Gabriel Chalita, no seu livro Os dez mandamentos da Ética , quando diz que "a disseminação dos conceitos estabelecidos em um Código de Ética contribuem, a longo prazo, para mudar o comportamento individual".
No livro "Ética e Negócios", Instituto da Qualidade, 2003, Julio Lobos, autor de vários livros sobre gestão empresarial, cita vários episódios em que homens e mulheres foram submetidos a verdadeiros dilemas éticos, a partir dos quais é possível concluir que a Ética sempre é recomendável.
A título ilustrativo, cito o caso ocorrido em 1982, quando um psicopata envenenou várias cápsulas de Tylenol, causando a morte de oito pessoas na cidade de Chicago, Estados Unidos. Diante da gravidade do fato, o laboratório Johnson & Johnson determinou o recolhimento de todos aqueles produtos do mercado, apesar de haver posições contrárias dentro da própria empresa, que preferiam evitar reações radicais. Tal situação, caracterizada por um evidente conflito entre uma questão econômica - perder dinheiro na linha Tylenol com a retirada do produto do mercado, que representava mais de cem milhões de dólares anuais para a Johnson & Johnson -, e uma questão ética - proteger vidas - a empresa deu prioridade à saúde de seus clientes, ainda que, para tanto, tenha sido necessário adotar medidas drásticas. Por isso mesmo até hoje a população americana e praticamente do mundo todo usa Tylenol.
A experiência mostra, enfim, que conduzir negócios com honestidade, justiça, ética e transparência é um caminho fundamental para o sucesso empresarial e para o bem-estar de cada cidadão. Mutatis mutandis, a Ética também deve ser prioridade absoluta na atuação de advogados, assim como no âmbito do Ministério Público e do Poder Judiciário, pois somente a partir dessa visão será possível construir uma sociedade realmente justa e fraterna.
Desse modo, a adoção de um Código de Ética tem por objetivo maior estabelecer um compromisso de determinada classe profissional com o bem comum, e, no caso específico do Ministério Público Federal, renovar a crença da sociedade em uma Instituição que deve servir de exemplo de moralidade, honestidade e transparência na execução de suas atividades.
Para concluir, afirmo que a Ética faz homens e mulheres se sentirem dignos de ter uma consciência; consciência esta que, exercida na sua plenitude, levaos __________ compreensão das dificuldades e da dor, como inerentes à condição humana, dando-lhes sabedoria para estabelecer, em suas vidas e no seu ambiente de trabalho, harmonia, entendimento, equilíbrio emocional, compreensão e paz.
Wagner Gonçalves
Corregedor-Geral do Ministério Público Federal
Subprocurador-Geral da República
Disponível em: http://www.etical.org.br/noticias.asp?idnoticia=12&lang.
Acesso em: 04.jun.2009
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