TEXTO I: Conversando com o inimigo
Operações policiais expõem os métodos dos pedófilos para atrair crianças via computador
Uma dezena de ações policiais nos últimos tempos tem chamado atenção para o crime monstruoso do abuso sexual de crianças,
classificado genericamente como pedofilia. Na Polícia Federal, foram seis grandes operações nos últimos três anos, sendo
a mais recente a Arcanjo, realizada em Roraima no começo de junho, na qual entre os oito presos havia dois empresários, um major
da PM e o procurador-geral do estado, Luciano Alves de Queiroz, exonerado após a detenção. A Polícia Federal também prendeu
em plena biblioteca do Ministério do Planejamento, em Brasília, o corretor de imóveis Gusmar Lages Júnior, 45 anos, que usava
os computadores à disposição do público para enviar e-mails com imagens de pornografia infantil. Na Polícia Civil de São Paulo,
um pavoroso acervo de imagens de computador foi apreendido com Márcio Aurélio Toledo, 36 anos, operador de telemarketing
e pai-de-santo em um terreiro de candomblé, para onde atraiu boa parte de suas vítimas.
Dono do site Orkut, um caminho pelo qual pedófilos têm circulado impunemente, o Google já abriu 3261 álbuns e páginas
privadas do site e concordou em liberar outros 18330 à Comissão Parlamentar de Inquérito instalada em março para tratar do assunto.
De janeiro a junho deste ano, a SaferNet Brasil, organização não-governamental que combate a pedofilia e a pornografia
infantil, registrou 26626 denúncias de ação de pedófilos, quase o dobro do total do mesmo período em 2007. Na Polícia Federal, o
número de inquéritos relacionados a esse tipo de crime saltou de 28, em 2000, para 165, no ano passado. Aumentou a pedofilia ou
aumentou a ação da polícia? Ambas aumentaram, e o denominador comum é a internet – a rede tanto abriu um campo novo e prolífico
para os pedófilos quanto expôs mais o tipo de violência que estes perpetuam, possibilitando punições mais freqüentes. “Só
neste último mês recebemos 3000 denúncias, e a maior parte delas envolve a internet”, informa Magno Malta (PR-ES), presidente
da CPI do Senado.
A pedofilia é um transtorno sexual – a atração por crianças – que há sessenta anos, sob o número F65.4, faz parte da Classificação
Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde. Quando praticada, transforma-se em crime que assombra
as famílias: todos sabem que são parentes ou conhecidos próximos os responsáveis pelos abusos mais freqüentes. O papel da
internet nesse mundo foi, basicamente, o de facilitar o acesso a crianças e reunir em uma espécie de comunidade pessoas que,
pela repugnância universal que seus atos despertam, só muito raramente tinham contato mútuo. “Na internet, o pedófilo tem a ilusão
do anonimato e a sensação da impunidade.”, diz o presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares. Ele atrai suas vítimas em
salas de bate-papo e sistemas de comunicação popularíssimos entre crianças, como o MSN e o Orkut. Usando apelidos infantis
como “vanessinha10” e “thiago8”, passa-se por criança. O terreno é fértil: em maio, pesquisa do Ibope/NetRatings constatou que,
de 23 milhões de pessoas que acessaram 43 bilhões de páginas na internet, 2 milhões tinham entre 6 e 11 anos. Freqüentemente,
o pedófilo se integra a sites fechados para troca de pornografia – cenas mais explícitas chegam a custar o equivalente a 150 reais,
pagos com cartão de crédito internacional – e até de justificativas distorcidas para seu transtorno. “A internet estimula a ação do
pedófilo porque é lá que ele encontra seus semelhantes”, avalia Sérgio Suiama, coordenador do grupo de combate aos crimes de
internet do Ministério Público de São Paulo.
Em casos de pedofilia fora da esfera familiar, é comum que os pais sejam os últimos a saber. “Os pais têm dificuldade de
entender os sinais que os filhos passam. Se a criança tenta contar, eles duvidam dela. Não fazem isso por maldade, mas porque é
difícil acreditar que uma pessoa tão próxima esteja fazendo algo tão cruel com alguém tão indefeso, diz a psicóloga Daniela Pedroso,
34 anos, que há dez anos atende crianças vítimas de violência sexual no Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Em 2007,
805 meninas e meninos de até 12 anos foram encaminhados ao serviço, que recebe, em média, setenta novas crianças por mês e
utiliza brincadeiras e desenhos no diagnóstico e no tratamento das pequenas vítimas. Apesar do estigma, ainda existe certa tolerância
cultural em determinados meios, em especial quando as pequenas vítimas são muito pobres e os criminosos dispõem de
algum tipo de poder. “No Brasil, a pedofilia anda nas colunas sociais, tem mandato, veste toga, tem patente, anda com a Bíblia e
reza o terço. É um monstro pior do que o narcotráfico”, alerta, o senador Malta. Cadeia e execração social parecem pouco para os
perpetuadores desse tipo de crime, mas são os instrumentos de que a sociedade dispõe para puni-los. Sempre.
Sandra Brasil – Revista Veja, 16 de julho de 2008. p. 148-150 (Adaptação)
Com relação ao uso dos termos (1) “monstruoso” e (2) “pavoroso” (1º§), é correto afirmar que