Ao contrário do que se pensa, a carreira de Clarice Lispector não foi uma sucessão de facilidades. Já o seu livro de estreia, Perto do coração selvagem, esbarrou na incompreensão de alguns críticos e foi recusado por mais de uma editora.
A voz nova e solitária em seguida iria encontrar obstáculos na publicação de seus outros livros. O lustre levou anos até aparecer. Clarice se encontrava no exterior e os amigos aqui no Rio tentavam encontrar um editor de boa vontade. Fernando Sabino, que costumava ser invencível nessa matéria, ainda não tinha a experiência que só depois viria a ter, e fazia as vezes de agente literário da amiga, nem sempre bem-sucedido. O nome de Clarice, prejudicado pela sua ausência, tinha aqui pequena repercussão.
Quem sabe das dificuldades que Clarice enfrentou vê com alegria o reconhecimento que seu nome alcança e sua irradiação pelo mundo. Personalíssima na dicção brasileira, a universalidade de sua obra vai ampliando o clube de seus devotos. No Canadá, Claire Varin aprendeu português para lê-la no original. E descobriu a idade da escritora, que nasceu em 1920 e não em 1925, como está dito por toda parte. Se foi Clarice que mudou a data, já não faz sentido manter o erro por simples respeito a uma faceirice momentânea.
(Adaptado de Otto Lara Resende. Bom dia para nascer. São Paulo: Cia. das Letras, 2011. p. 218-220)