Texto II
No arranco cego da turba
Ocorrências violentas envolvendo multidões têm se amiudado no Brasil, não raro com mortos e feridos. Nos últimos dias, tragédia de quatro mortos e oito feridos num show de música country em Jaguariúna; uma invasão de 80 torcedores descontentes na sede do Flamengo, no Rio, com agressão a um jogador; mais de 150 torcedores do Palmeiras, num confronto com a PM, levados para uma delegacia da zona leste, 20 feridos. Em duas décadas, ocorreram muitos episódios de depredação de estações ferroviárias, queima de ônibus, invasão e depredação de recintos públicos, como a própria Câmara dos Deputados e Universidades, e sobretudo linchamentos.
Na maioria dos casos o ímpeto da massa vem do descontentamento e do protesto. Residualmente, como em Jaguariúna, do medo e do pânico. Eventualmente, a provocação irresponsável de uma bomba junina no meio da multidão, um grito, uma correria que arrasta outras pessoas que, no geral, nem sabem por que estão correndo. Vítimas deliberadas, como nos linchamentos, ou casuais, como em Jaguariúna. Ou casos mais graves, em que a turba não é massa informe que só adquire perfil e identidade depois da ocorrência que a mobiliza, mas é multidão já polarizada. Ou mesmo no caso do massacre de Carajás, em 1996, quando 19 acampados foram mortos num confronto típico de multidão. Ou os casos mais frequentes de confrontos violentos entre torcidas de futebol. Fatos próprios de uma sociedade intolerante, organizada em cima de identidades antissociais, como se nela não houvesse espaço e oxigênio para todos e para a democracia da diferença.
O que chama atenção nos últimos tempos é justamente a típica manifestação de turba em ações de natureza política. A contaminação crescente da atuação política, sobretudo dos movimentos sociais, pelo comportamento de multidão esvazia a demanda que os move de sua dimensão propriamente política. Os sociólogos que fizeram os primeiros estudos sobre o tema definiam tais ações como comportamento coletivo. Mas nem toda multidão atua por comportamento de multidão. Por isso, decantaram o comportamento coletivo para nele identificar os movimentos sociais, que são aquelas condutas que têm sentido, que discrepam das irracionalidades próprias da multidão. Comportamento de multidão nos movimentos sociais é
justamente a mais significativa indicação de impasse e retrocesso, de falta de projeto com clareza política quanto à própria busca.
(José de Souza Martins. O Estado de S. Paulo, Aliás, J6, 31 de maio de 2009, com adaptações)
A enumeração de exemplos de violência comprova a afirmativa de que