Atenção: As questões de números 13 a 20 referem-se ao texto seguinte.
Velocidade das imagens
Quem folheia um daqueles velhos álbuns de fotografias logo nota que as pessoas fotografadas prepararam-se longamente para o registro solene. As roupas são formais, os corpos alinham-se em simetria, os rostos adotam uma expressão sisuda. Cada foto corporifica um evento especial, grava um momento que aspira à eternidade. Parece querer garantir a imortalidade dos fotografados. Dificilmente alguém ri nessas fotos: sobra gravidade, cerimônia, ou mesmo uma vaga melancolia.
Nada mais opostos a esse pretendido congelamento do tempo do que a velocidade, o improviso e a multiplicação das fotos de hoje, tiradas por meio de celulares. Todo mundo fotografa tudo, vê o resultado, apaga fotos, tira outras, apaga, torna a tirar. Intermináveis álbuns virtuais desaparecem a um toque de dedo, e as pouquíssimas fotografias eventualmente salvas testemunham não a severa imortalidade dos antigos, mas a brincadeira instantânea dos modernos. As imagens não são feitas para durar, mas para brilhar por segundos na minúscula tela e desaparecer para sempre.
Cada época tem sua própria concepção de tempo e sua própria forma de interpretá-lo em imagens. É curioso como em nossa época, caracterizada pela profusão e velocidade das imagens, estas se apresentem num torvelinho temporal que as trata sem qualquer respeito. É como se a facilidade contemporânea de produção e difusão de imagens também levasse a crer que nenhuma delas merece durar mais que uma rápida aparição.
(Bernardo Coutinho, inédito)