A força das narrativas
Heródoto conta uma pequena história, da qual se pode aprender muito: "Quando o rei egípcio Psamênito foi vencido e caiu prisioneiro do rei dos Persas, Câmbises, este resolveu humilhá-lo. Ordenou que colocassem Psamênito na rua por onde passaria o triunfo persa e fez com que o prisioneiro visse passar a filha em vestes de escrava enquanto se dirigia ao poço com um balde na mão. Enquanto todos os egípcios elevavam prantos e gritos àquela visão, só Psamênito permaneceu mudo e imóvel, com os olhos pregados no chão; e quando, pouco depois, viu o filho conduzido à morte no cortejo, permaneceu igualmente impassível. Mas quando viu passar entre os prisioneiros um de seus servos, um homem velho e empobrecido, golpeou a cabeça com as mãos e mostrou todos os sinais da mais profunda dor."
A situação fica aberta à nossa interpretação. Por que teria chorado o rei Psamênito? Algumas respostas: chorou porque a visão do velho servidor foi a gota d'água que fez transbordar o cálice, depois de ter assistido ao sofrimento de seus entes mais caros; chorou porque o velho servidor, testemunha de sua infância e da existência de seus pais e avós, era um elo que unia e confirmava a geração real; chorou porque a princesa poderia tramar nos bastidores a seu favor; o príncipe poderia articular uma revolta e libertar sua mãe e suas irmãs, mas ao velho servidor já não restavam forças, sendo portanto inútil e cruel sua humilhação.
As narrativas mais expressivas não se esgotam em si mesmas, expandem-se com a força de sementes, por um tempo indefinido. Por que terá chorado o rei Psamênito?
(Adaptado de Ecléa Bosi, Lembranças de velhos)