Atualmente, muitos ambientalistas enxergam a tecnologia como uma afronta à sacralidade da natureza, mas as tecnologias usadas até hoje pelo homem sempre foram perfeitamente naturais. Peles de animais, fogo, fazendas, moinhos de vento, usinas nucleares e painéis solares – todos esses avanços surgiram e foram criados a partir de materiais puros extraídos da terra. Além disso, no curso da história humana, as tecnologias não foram apenas inventadas pelo homem. Elas também ajudaram o homem a se inventar. Evidências arqueológicas recentes sugerem que a forma das mãos do homem moderno, com seus polegares e dedos mais curtos, permitiu um melhor manuseio das ferramentas. Os ancestrais do homem cujas mãos tinham esse formato mais adequado obtiveram uma vantagem evolutiva em relação aos outros.
A transformação das mãos e dos pulsos permitiu aos nossos antepassados andar cada vez mais eretos, caçar, comer carne e, assim, evoluir. Com a mudança na postura, o homem conseguiu correr atrás de animais atingidos por suas armas. A corrida de longa distância foi facilitada por glândulas sudoríparas que substituíram os pelos. O uso do fogo para cozinhar a carne adicionou uma quantidade muito maior de proteínas à dieta, o que resultou em crescimento significativo do cérebro. A tecnologia, resumindo, nos tornou humanos.
É claro que, à medida que nosso corpo, nosso cérebro e nossas ferramentas evoluíam, evoluiu também nossa habilidade de modificar radicalmente o ambiente. Caçamos mamutes e outras espécies até a extinção. Queimamos florestas e savanas inteiras para encontrar mais facilmente a caça e limpar a terra para a agricultura. A Terra de 100, 200 ou 300 anos atrás já havia sido profundamente moldada pelos esforços humanos.
Nada disso altera a realidade e os riscos das crises ecológicas resultantes da ação do homem. O aquecimento global, o desmatamento, a pesca excessiva e outras atividades, se não ameaçam nossa própria existência, certamente representam a possibilidade de sofrimento para milhares de seres humanos. Tudo isso está transformando a natureza em um ritmo nunca visto. A diferença entre a nova crise ecológica e as depredações anteriores ao meio ambiente promovidas pelo homem e por seus ancestrais é em tamanho e escala, não na forma.
(Michael Shellenberger e Ted Nordhaus, Veja, 13 de junho de 2012, p. 103-104, com adaptações)